O belo texto poético de Carla Lemos
I - DEZASSETE
II - ODEMIRA
Odemira é o Alentejo para onde já muito pouca gente vai.
Créditos de imagem: Rota Vicentina, Serra do Cercal/São Luís.
I - DEZASSETE
Sou
adolescente.
Adulta
pelas contas da natureza humana.
Espero
que alguém perceba a razão pela qual o meu corpo adoeceu em pouco tempo e
rapidamente me atirou para uma cama, sem força para viver a vida que me
pertence.
Um
instante mudou a minha vida, e com ele a possibilidade de não sobreviver.
Aproveito
esse momento de solidão para rever dezassete anos de vida.
Curiosamente
parece-me uma eternidade de vida, o que me deixa feliz por perceber que foi de
alguma forma bem vivida.
É
impressionante a lucidez com que revejo cada dia.
E
de repente sinto uma enorme necessidade de analisar a vida e todo o seu
sentido, e chegam-me os “porquês” que
não tive em criança.
Começo
a perder uma certa identidade física, aquela que há tão pouco julgava ter
criado.
Por
outro lado revela-se uma percepção de tudo o que me rodeia, da integridade do
ser que sou, e do que faço parte, que brilha dentro de mim como eu nunca tinha
imaginado possível.
E
aqui estou, um nada de mão em mão, entregue a todas as possibilidades, à espera
de mais vida.
Sobrevivo.
À
última chamada, eventualmente...
Talvez
sobreviva à importância da vida.
Àquela
vida que não sei o que seria por não a ter vivido, restando-me a outra à qual
resisto desde então, que me mostrou o plano que eu nem sequer tinha traçado.
Que
plano é esse que nos pergunta a toda a hora se escolho entre o riso e o choro?
Ah
que pergunta...
O
riso, claro!
II - ODEMIRA
Odemira é o Alentejo para onde já muito pouca gente vai.
Terra
bonita, arranjada, que me recorda aventurosas viagens de juventude, quando os transportes não eram muitos, mas esperávamos pelo que havia e lá
íamos vivendo a vida, sem grandes exigências, sem carros, nem comboios de alta
velocidade, e as viagens para a Europa não tinham valores low-cost.
A
vida era para ir passando e ir vivendo e ir sonhando.
Então
saí de Carcavelos em bicicleta.
Com
um mapa e um caderno de apontamentos, duas bolsas laterais de mantimentos e
pouca roupa, parti convicta.
O
caminho foi sendo percorrido à beira-mar, num esforço descomunal, apenas
seduzida pela aventura e pelo entusiasmo daquela liberdade que sentia bater-me
na cara em forma de brisa.
Toda
aquela natureza verdejante da serra de S. Luís, e um silêncio apenas quebrado
pela corrente da bicicleta e algumas pedaladas, me levavam para uma viagem
interior palpitante, e deixava-me um sorriso preso na cara.
Era
uma altura em que dar parte fraca era desistir, era arranjar uma cabina
telefónica e chamar a pagar no destino para pedir que me viessem buscar porque
não aguentava mais
E
parte fraca nunca foi o meu forte, por isso seguia em direcção ao esgotamento
mais gostoso do mundo.
Sentia-me
perfeitamente fundida neste espaço físico e psicológico que me acompanhou por
muitas milhas percorridas.
A
liberdade só é boa quando conseguimos integrá-la.
Assim
seja sempre.
Carla Lemos, Lisboa, Setembro 2013
Créditos de imagem: Rota Vicentina, Serra do Cercal/São Luís.
Muito bonito! Continua Carla , Abraco Sonia Alves
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