terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Biografia e ficção - novas oficinas de escrita

As oficinas de escrita vão recomeçar com duas propostas independentes: autobiografia e ficção. A partir de 8 de Fevereiro (Sábados) e 13 de Fevereiro (Quintas). Horários detalhados abaixo.

 
A minha vida dá um livro

"Começar pelo registo biográfico é uma forma segura de iniciar o hábito da escrita. Trata-se de um exercício à boa maneira do diário de bordo, ou do diário da adolescência, com a exigência, a paixão, o labor minucioso da oficina. No fim, leva-se um livro impresso para casa. E vontade de continuar a escrever." MG.
 

Conceito
Palavra e memória na reconstrução da identidade

Partindo da história pessoal para o registo literário, uma reflexão sobre a própria identidade, desenvolvida ao longo de quatro módulos:
I – Quem sou eu? Ou «Bilhete de Identidade».
II – Que pessoas ao meu redor me marcaram? Ou «memórias de infância».
III – Momento fundador da narrativa. Ou «Era uma vez eu».
            IV – O desenrolar da história. Ou «A minha vida dá um livro».
 

 
Onde: Rua de O Século 13, 1200-433 Lisboa, Portugal ‎   +351 21 096 4826 · aletheia.pt
Como: Quatro módulos, de duas aulas cada.
Quando: Aulas semanais, todos os sábados, de 8 de Fevereiro a 29 de Março, das 15.30 às 17 horas.
Mais informações: manuelagonzaga@gmail.com  

 
e ainda:

Vamos escrever ficção
Escrever consolida o nosso livre pensamento, estrutura as nossas ideias, acrescenta-nos em todos os sentidos e faz-nos viver muitas vidas. Vamos escrever ficção. Aulas semanais, às quintas-feiras, de 13 de Fevereiro a 20 de Março, das 18.30 às 20 horas. MG


UNIVERSOS PARALELOS


Viagem ao outro lado do espelho

Estrutura e conceito do curso
O espelho é um portal. Fica onde quisermos coloca-lo. Aguardando que cruzemos os seus umbrais para o outro lado. Ali, onde a aventura começa.
I – Eu sou eu? Ou «Deste lado do espelho».
II – Para onde vou? Ou «Cruzando os portais do tempo e do espaço».
III – Momento fundador da narrativa. Ou «Universos paralelos».

Onde: Rua de O Século 13, 1200-433 Lisboa, Portugal ‎   +351 21 096 4826 · aletheia.pt
Como: Quatro módulos, de duas aulas cada.
Quando: Aulas semanais, todas as Quintas-feiras, de 13 de Fevereiro a 20 de Março, das 15.30 às 17 horas.
Mais informações: manuelagonzaga@gmail.com  

 

«Superei as minhas expectativas»

De Ana Lúcia F. (jurista) recebemos, com a maior gratidão, este testemunho:

«Os módulos da Oficina de Escrita Criativa foram fantásticos como incentivo à escrita, à partilha de ideias e ao diálogo em grupo. A riqueza dos conteúdos e o conhecimento prático da Dra. Manuela Gonzaga motivaram-me a escrever sem medo e a descobrir emoções escondidas.

Do ponto de vista pessoal foi uma oportunidade única de escrever uma pequena história de ficção, desafiando a minha criatividade. Superei as minhas expectativas e pretendo participar na próxima Oficina da Escrita.

Obrigada,
Ana Lúcia»

domingo, 26 de janeiro de 2014

Do outro lado do espelho

De Eugénia Sales, três textos poéticos e intensos, produzidos no contexto da nossa oficina de ficção, Universos Paralelos, que remetem para  uma viagem de alma, um cruzar de destinos, um voo. MG.


Espelho da Purificação


 

Sou cega. Olho-me. E o espelho vê-me.
Sou grande. Do tamanho das pessoas grandes que de mim se aproximam à procura da ajuda ou do descanso para desembaraçar os nós de suas vidas.

Sou pequena. Como as pessoas pequeninas que cirandam constantemente em meu redor, gritando “Mestra, mestra!”.

Sou leve e sobrevoo. Pelos canteiros desenhados do jardim, frente à nossa velha casa. Quando poiso, os dedos vagueiam agilmente pelos caules, pelas folhas, pelas flores e pela terra, exorcizando as ameaçadoras ervas daninhas. “Tem o jardim mais bonito da aldeia!” – dizem. Vaidade? Não a sinto e o espelho não a vê. Gratidão e um profundo bem-estar transpiram de mim. “Dá trabalho, este jardim”, respondo.
Sou melodia, que a vida compõe com os anos – ora sino de igreja, ora riso e palmas - mas sempre em tons de aguarela. Sou o aroma que exala das pequenas tigelas de compota acabada de fazer, que arrefecem na janela, e o cheiro que o frio traz, misturado com o fumo da caruma. Sou a carícia firme, dos que de mim precisem. E a aliança com a Vida, trago-a no dedo.

E sou a trança! Comprida e, dizem, há muito branca, que se solta de manhã para entrançar, fresca de novo, num bailado singelo mas confiante.

A minha alma está cheia. E o espelho devolve-me os olhos, repletos de vida.

 Dez/2013


 

Do outro lado do espelho


Os altos portões deste convento abrem-se e solta-se um soluço companheiro. Sou livre e viajo. Vou!

E vou e vou…

Vou longe, vou perto, vou ao norte e vou para sul, vou à Índia e vou ao fim do meu quintal.

Caminho, e no meu caminhar passo para lá da grande figueira, que alcanço e ultrapasso para escapar aos prazeres que me perseguem.

Procuro Prazer Maior, busco algo que está para além do horizonte daquilo que se vê ou daquilo que se sabe.

Vou. Abro os braços, seco as lágrimas, limpo feridas, dou meu colo e enxoto os vendilhões.

Vou e das ruas faço casa, das praças meu regaço e dos jardins oração. E vou de novo. Não tem fim esta viagem… Levo apenas esta trança, cordão umbilical que sempre me traz de volta.
E a Índia, fica lá, no fim do meu quintal.
Lisboa, Dezembro 2013




Para cá e para lá do Espelho

Aqui me encontro, trespassada mas inteira. Sinto-me, penso-me e… vejo-me!
Não há luz, não há escuro; não há espelhos ou janelas; não há sol nem fim de tarde.
Há risos e lágrimas, há soluços e abraços. E sempre, sempre, um calor dentro do peito.
Sou grata. Sou feliz.
E ganho a eternidade!

Eugénia Sales, Janeiro, 2014
 

sábado, 25 de janeiro de 2014

A Imaginação é a fábrica dos sonhos

Como é que se escreve ficção? Como se constrói uma história que nunca ninguém nos contou e queremos contar a toda a gente, a começar pelo mais exigente dos leitores - nós próprios?

John Bauer (1882-1918) Ilustração de The Seven Wishes em Among pixies and trolls de Alfred Smedberg.

Há uma Fábrica de Sonhos no coração de todos nós, com sede na cabeça e delegações pelo corpo todo. Chama-se Imaginação, e é, por definição, criadora. Para escrever ficção, temos de ir morar lá. Tirar passe. Estabelecer um estaminé com carácter permanente no País da Fantasia. Ali onde a imaginação, a principio difícil de controlar e dirigir, nos aguarda para nos levar para todo o lado. Até aos confins do universo, até ao fundo do mar, até ao fundo de nós.

Como é que isso se faz? Conquistando a nossa própria estrutura narrativa, com dedicação incansável, através de tentativas, erros e da descobertas da nossa voz singular. Este labor tem forçosamente de ser secundada e apoiado em leituras, muitas e múltiplas. E neste caso, acho, muito sinceramente, que nenhum escritor o é completamente se não foi, algures num tempo de vida, alimentado com Histórias de Encantar, Contos de Fadas, Mitologias, Lendas. Porque todas elas, e cada uma em particular, acordam a nossa mais oculta e antiga memória arquetípica, religando-nos ao legado universal. Ali, onde todos somos, e fomos, e seremos, todos e tudo.

Todos os povos as têm. Em todas as latitudes, e longitudes, desde o fundo dos tempos. E o fantásticos delas, é que nunca envelhecem. Podemos lê-las em qualquer altura da nossa vida, sem contraindicação, pois todas elas, de uma forma maravilhosa, falam a níveis de consciência de que não temos grande consciência. Pelo menos, quando estamos acordados.

Aqui ficam duas ligações para dois pequenos, grandes tesouros:

Dinah Maria Mulock Craik, The Fairy Book: The Best Popular Stories.
Comtesse de Ségur, Nouveaux contes de fées pour les petits enfants. 

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Os Doze Trabalhos do escritor

As principais dificuldades com que nos deparamos na escrita de ficção, aquela que nos arranca da zona de conforto e nos confronta com realidades apenas sonhadas, é a necessidade de moldes seguros para suportar a sua estrutura narrativa. A outra, é, eventualmente, a avalanche de informações mal fundamentadas. Por exemplo, se o desafio chama das bandas da ficção cientifica, ou das profundezas dos mitos clássicos, há que arranjar alicerces, pilares e traves mestras onde a história se arrime para crescer sólida e lógica, mesmo que a sua lógica seja a do absurdo.

Não vale invocarmos figuras, sejam elas de reis, rainhas, heróis da Grécia Antiga, ou cidades do futuro se não conhecermos absolutamente nada, ou muito pouco, dos seus referenciais. Porquê? Porque muitos os conhecem e irão detectar as fragilidades e as fissuras do nosso edifício literário. Mas, e muito mais importante do que isso - por nós próprios. Pelo respeito que nos devemos.
 
Hércules e a Hidra, detalhe
Antonio del Pollaiolo (ca. 1432-1498), pintor Renascimento Italiano
      

O que fazer? Se o nosso personagem é um soberano ibérico do século XVII, ou uma rainha de contos de fadas, ou Hércules antes, depois ou durante os seus Doze Trabalhos, há que ir atrás deles para saber o que pudermos saber a seu respeito. Até à intimidade. O mesmo vale para um personagem inventado por nós.

Dá tanto trabalho!!!Pois dá. Nunca irão ouvir dizer o contrário. Aqui pelo menos. A literatura não é um pomar carregado de frutos sob o qual alguns privilegiados passeiam displicentes, enquanto das árvores lhes caiem nos braços folhas e folhas e folhas escritas com os livros que vão dar ao prelo. Pensem antes num território todo por desbravar. Cheio de potencialidades mas... tudo por fazer. Estradas, caminhos, encontros e desencontros, cidades, navios - tudo. E tudo por conhecer: que pessoas são aquelas que vêm ano nosso encontro? O que vestem, como falam, o que pensam, o que desejam para as suas próprias e ficcionadas existências?

E tudo de novo, uma vez e outra, de cada vez que se começa. Agora esqueçam o cansaço, o trabalho todo, e pensem: que maravilha!! E rejubilem. Desbravar mundos, não é para qualquer um

domingo, 12 de janeiro de 2014

O que dizem os participantes

No fim de mais uma oficina e a caminho das próximas - com textos ainda na 'forja' e trabalhos de casa -, mais um testemunho, sempre tão gratificante!, de quem passou por lá. Transcrevo:

Alda Mgsr: Tem sido uma descoberta a minha participação nas Oficinas de Escrita, através da palavra, com a ajuda da fabulosa Manuela, que nos coloca sempre à vontade, e nos vai dando dicas importantíssimas. Obrigada Manuela, sem si isto não era possível! E também o conhecer outras pessoas ( ou reconhecer facetas naquelas que já me são familiares), tem sido maravilhoso. Acho que estamos todos adictos, mas aí a culpa é, mais uma vez, da Manuela, que vai ter de nos continuar a aturar, ie "tratar"!!
 

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

O espelho da verdade

De Ana Mateus Marques, um poderoso e pungente registo ficcional. Um prisioneiro contempla a sua imagem pela última vez. A morte aguarda-o... ou não? MG
 
Prisão ilícita
Sou um condenado à morte. Vejo-me ao espelho pela última vez na vida. Tenho uma expressão cansada, olheiras profundas e um rosto amargurado. O pequeno espelho prateado que seguro nas mãos foi a minha única companhia durante estes três penosos anos de cárcere.

A solidão fazia com que conversasse com ele, como se esperasse dali respostas às minhas múltiplas emoções à solta. Perdi o contacto com o mundo. Fiquei com a vida suspensa. À espera de uma sentença que me absolvesse ou condenasse para sempre.

Quem sou eu? Já não sei.

A imagem que vejo no espelho não se parece comigo. É um reflexo sombrio do meu EU. Reflecte o vazio em que vivo. Não tenho nada. Nem família nem bens, nem dignidade. Um escravo, torturado e condenado por ideais. Agora sou apenas um número  4-66.

Neste dia fatídico, não quero pensar na morte mas na intensidade da vida e na paixão com que lutei pelas minhas ideias. Para me preparar, agarro com força e contra o peito, na única coisa que possuo. O espelho. Dou um grito lancinante de dor e de revolta.

O espelho parte-se em pedaços muito pequeninos nas minhas mãos, ferindo-me nos dedos, no peito e no rosto. Fico com pequenos fragmentos em mim. Sinto uma sensação estranha, como se o espelho tivesse entrado em mim e agora fossemos um só, em osmose.
Uma sensação de êxtase, de paz e de luta invade-me. Já não estou na cela. Estou livre, LIVRE, num espaço físico e num tempo diferentes, desconhecidos, completamente novos.
Não sei onde estou. A cela fria, húmida e cinzenta parece muito longínqua. Começo a correr em direção aos sons que não consigo identificar. No ar, sinto o odor cálido da fruta fresca: morangos e pêssegos.

Ana Mateus Marques, Lisboa, Janeiro de 2014


Créditos: o link da legenda remete para a página de onde a imagem foi retirada.

sábado, 4 de janeiro de 2014

O espelho dourado da minha avó

Sempre que me olho ao espelho e vejo esta cara enrugada, sem o brilho que todos encontravam antes no meu olhar, um sentimento de impotência, a percepção do estado quase terminal, deste meu final de vida, submerge-me. Tenho oitenta e cinco anos, sou velha e sinto um vazio imenso dentro de mim.

Há dois anos, após a morte do Alberto, os meus filhos decidiram que viesse morar nesta casa, um pouco mais pequena que a outra, o que me facilitaria na mobilidade e, também, com o intuito de me aliviar do peso das recordações da longa vida no nosso lar comum. Foi um período muito doloroso! Por diversas vezes, considerei a morte, como solução para tanta dor, mas percebi que seria uma solução egoísta, e, que o ónus se iria tornar insuportável para os meus filhos e netos.

Agora, nestes dias sem futuro, tento ocupar o tempo entre o escritório, onde leio, escrevo e, por vezes, ainda pinto, e o quarto, onde descanso durante horas: os médicos dizem que não posso fazer esforços, que o meu coração está muito cansado. Aos fins-de-semana, este espaço gélido de solidão, enche-se de calor e de vida, quando chegam os meus filhos e os netos, que vêm deliciar-se com todos os pratos que sempre fiz e que todos apreciam tanto.

Hoje, uma sexta-feira de Dezembro, com um céu muito azul, mas um frio cortante, já arrumei a cozinha e preparei tudo para amanhã. Vou fazer-lhes o célebre bacalhau à Gomes de Sá e uma tarte de peras à alsaciana que todos adoram. Dou uma volta pela casa, para ver se está tudo em ordem. Na sala, a bela toalha vermelha já está sobre a mesa e as minhas orquídeas continuam lindas e a florescer!

Então, o cansaço apodera-se mais uma vez de mim. Vou para o meu quarto, sento-me na cama, olho à minha volta e sinto-me impotente perante tanto vazio. Subitamente, o meu olhar é atraído para o tampo da cómoda, onde se encontra o espelho da minha avó, que ninguém queria, e que eu aproveitei. É um espelho antigo, pequeno, de moldura dourada, que após a morte da minha avó ficou abandonado no fundo de uma gaveta. A sua face está toda salpicada de manchas, mas continua a reflectir fielmente as nossas imagens e o mundo à sua volta.
 
 

Pego nele, extasiada. É uma maravilhosa peça de arte, plena de histórias da família. Quem terá feito esta obra tão bela, tão cheia de pormenores que me despertou o interesse, a mim, que, na altura era considerada uma mulher moderna? Porque terei exigido tamanha relíquia?

Na altura, e já lá vão perto de quarenta anos, possuía um pequeno atelier, onde trabalhava nas minhas horas livres. Tinha tido aulas de pintura e aprendera algumas técnicas de pintura a acrílico e a óleo, mas, o que mais me fascinava era poder criar e utilizar vários materiais, tais como serradura, gesso, areia, desperdícios, que colava, sobrepunha, criando diversas texturas. E foi assim que descobri este espelho e, que me apropriei dele, para fazer algumas experiências: desmontava-o, utilizava cópias em tela, na sua face colava ou pintava imagens de uma menina curiosa, que era uma montagem feita a partir de uma fotografia minha de criança. Por vezes, as imagens atravessavam o espelho, como que em busca do que se encontraria mais além.

Agora, olho-me nessa mesma superfície que reflecte o meu rosto enrugado que há muito perdeu o brilho que todos encontravam no meu olhar. Subitamente, sinto uma dor no peito… volto a olhar-me, mas a minha imagem surge desfocada, como se eu me estivesse numa figura liliputiana. Como se me estivesse a transformar numa partícula que está a atravessar aquela face polida e manchada onde já não me encontro.

Então, a dor no meu peito torna-se lancinante e eu deixo cair o espelho, ouvindo, como se fosse de muito longe, o ruído dos seus estilhaços a espalharem-se no chão.

Deito-me.
 
Alda Rosa, Lisboa, Dezembro de 2013