Por Carlos Scarllaty
É único.
Intransmissível. Ou não será? Poderemos ter mais do que um ‘bilhete de
identidade’? Assumo a provocação: é "proibido", mas podemos. Aquele
que nos é atribuído, e aquele ‘outro’ que construímos. E um pode não ter nada a
ver com o outro. Poderemos ter duas identidades? Podemos. E sem sermos loucos.
A oficial, atribuída pela lei. E a real, fruto da aprendizagem e vivência de
cada um de nós.
O meu BI, em papel
plastificado, não tem nada a ver com o meu BI, formato genético e expressão da
minha singularidade. Tenho um nome que não foi escolhido por mim; uma altura
enorme nada a condizer com a realidade; uma cor de olhos que entretanto
desbotou; e uma idade errada que não reflete a minha realidade emocional e
mental. O meu BI de papel, no seu laconismo redutor, só está certo
juridicamente. Pessoalmente acho que é um “bluf”! Não é eu.
Do latim identĭtas, a
identidade é o conjunto de características e traços próprios de um indivíduo
(ou de uma comunidade). Esses traços caracterizam o sujeito ou a coletividade
perante os outros. Por exemplo: “a Francesinha faz parte da identidade
portuense”; “os carapaus alimados têm a ver com a cultura gastronómica
algarvia”; “os figos secos com a Costa Mediterrânica”. E por aí fora.
Identidades genuínas, gastronómicas, culturais, verídicas.
Uma pessoa tem de primeiro
conhecer o seu passado para defender a sua identidade. Que criou e
aperfeiçoou. Com que se realizou. Embora muitos dos traços que constituem a
“nossa” identidade possam ser hereditários ou inatos, esta é também a
consciência que cada um tem de si próprio, e que nos torna diferentes uns dos
outros. Porém, o meio envolvente exerce sempre influência sobre a especificidade
de cada indivíduo. Por isso, se costuma dizer que uma tal pessoa “anda em busca
da sua identidade”, ou expressões semelhantes.
Neste sentido, a ideia de
identidade está associada a uma realidade interior que pode ficar oculta atrás
de atitudes ou comportamentos que não são próprios da “nossa” pessoa: “Coloquei
de parte a minha identidade, e comecei a aceitar trabalhos que não me
agradavam, e que não têm nada a ver comigo”. Em suma: luto pela sobrevivência
trabalhando, e prostituo-me psicologicamente. E finalmente temos o conceito
de identidade de género, que se prende com o autoconceito sobre a sua
sexualidade, e o género para que deseje desenvolver a sua vida social. A noção
vincula a dimensão biológica do ser humano, tal como o aspeto cultural e a
liberdade de escolha.
O meu BI oficial atribui-me um
nome. Mas devia ser eu próprio a escolher o meu nome. Por exemplo, Joachim
Bonaparte de Mediccis! Sentia-me muito melhor. A minha altura é acima da média,
mas grandes, grandes foram Mandela, Gandhi, Martin Luther King, Bob Marley, Brechet, Pessoa, Confúcio, Galileu, Camões... e tantos, tantos outros. Enormes. Comparados com estes, não passo de um pigmeu. E na idade? Bem, nisso
então é melhor nem referir o que penso. Tenho somente 30 anos. No papel plastificado estão 30 anos a mais que o meu cérebro recusa. Uma injustiça este 'Bilhete de Identidade' que me foi atribuído!
E os meus sonhos e fantasias, onde estão eles no BI oficial? E a minha história de vida? E a consciência de mim próprio que me torna, que nos torna únicos?
Partindo do pressuposto que a
obra de arte se consagra graças ao princípio da nossa identidade, o meu
‘Bilhete de Identidade’ fui eu que o criei. O ‘outro’, esse só serve para pagar
multas!
Guida Scarllaty em grande plano, 2012 |
Lisboa, 2012, 25/Set.
Sem comentários:
Enviar um comentário