É um texto de Fátima Gabriel, fruto da Oficina de Escrita que realizámos no Porto. É um conto muito denso, muito forte, que resulta numa viagem interior de alguém que, na sua perplexidade e solidão, procura e encontra a resposta que tanto buscava. Orientei esta Oficina sob o lema da minha campanha: «Liberdade Incondicional. Manuela Gonzaga.
Estou presa, confinada a quatro
paredes, Este espaço deixa-me em pânico. Sou claustrofóbica. Parece que acordei
de um sonho. Sinto-me abafar. Sinto que vou morrer, e não quero. Amo a vida e
vou lutar por ela. Porque estou aqui?! Há quanto tempo e quanto mais estarei?
Nem me sinto só, tal é o turbilhão de sentimentos e pensamentos. Penso: «E
agora?» Olho pela janela pequena, acima da cama estreita e vejo o sol. Paro,
admirando esta liberdade que ele tem e me transmite. Percebendi que a vida está fora,
à minha espera. Vou reencontrá-la.
No pequeno espaço da cela há um
espelho. Desvio o olhar, porque não quero confundir o que sou fora, com o
que sou no meu interior. Percebo que tenho dois livros à mão, mas não me apetece
ler. Deixo-os para depois, para momentos de solidão. Vou buscar papel e uma
caneta e escrevo as frases que me vêm à cabeça. A minha roupa é malcheirosa e
fria, quase húmida. Não gosto do cheiro do espaço, e cheiro o meu corpo que
ainda tem o aroma da liberdade.
De repente, entram na cela duas pessoas
que desconheço. Apresentam-se como guardas prisionais. Não gosto do seu
aspecto. Mantenho-me em silêncio e respondo apenas ao essencial. Um deles
parece-me transparente, o outro rude e falso. Entretanto, juntam-se-nos mais duas
pessoas. São os novos companheiros de cela. Mal-humorados, vociferam e rogam
pragas. Eu, sempre em silêncio, aguardo que a minha mente me abençoe com
augúrios de luz e serenidade para saber como continuar sem me machucar mais. A
alma sofre. O corpo sente esse sofrimento.
Depois, um dos guardas fez uma
série de ameaças. Percebi que se destinavam a quem acabara de entrar. Senti que
estava a proteger-me dos novos companheiros de cela. Um deles abeirou-se e
fez-me perguntas. Não me apeteceu responder. Apenas lhe disse que me deixasse
em paz. O outro pressionou-o para que não se metesse na vida de cada um. Se
estávamos ali, por algum motivo seria, e certamente nenhum era bom.
Mas, e por mais que me esforçasse,
não entendia o porquê de estar ali. Enfim, um dia saberia as razões. Um dia
havia de sair. O importante era manter a lucidez como aliada da minha
sobrevivência. Tranquilizei-me.
De novo o espelho. Agora já pude
ver-me e observar a minha postura, rectilínea e firme. Respirei melhor.
Precisava encontrar quem me pudesse dizer porque me encontrava naquele lugar. Anoitecera.
Deitei-me, e de cansaço, adormeci. Sonhei que tinha lutado e que, nessa luta,
feri alguém. Portanto, era culpada. Afinal a minha prisão estava dentro
de mim própria. Era prisioneira das emoções, que aprisionavam o meu livre arbítrio
e acorrentavam o meu ego.
Ao acordar, agradeci ao
companheiro de cela. Ele sorriu. O guarda prisional veio buscar-me. Conduziu-me
junto de alguém que me aguardava numa sala. Sorriu também. Eu respondi-lhe do
mesmo modo. Esperei. O visitante entrou. Abraçámo-nos. Era a minha consciência, iluminada pelo sol, que entrava pela janela da prisão que eu, naquele momento,
abandonava. Afinal, tinha sido vítima de um engano. Fui liberta. Acordei a
minha sensação de estar no interior do meu ser onde posso sempre voltar,
acompanhada pelos amigos da minha vida: o coração e a razão.
Ninguém me condenou. Então, não
vou condenar-me também. Bom dia Vida… Bom dia Amor, na companhia de todos os
seres. Afinal não foi preciso ler os livros. Hoje, li na própria vida e voltei
a apreciar o cheiro do meu corpo, que afinal é um templo onde a não matéria vem
orar. O motivo da minha auto-prisão encontrava-se na minha mente.
Fátima Gabriel
14-11-2015 (Espaço PAN Porto)
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