O João Miguel Teodoro é um quase residente das oficinas - mas de todas as vezes, o mínimo que e pode dizer dos seus textos é que nos surpreendem sempre ao máximo. Como este seu conto, surreal e labiríntico, no seu jogo de palavras, ideias e sonoridades de muito poderoso e sedutor apelo. MG
Quando andava louca, numa
caminhada pelos arcebispos em busca de uns pontos cardeais que me levassem ao
Abade de Priscos, já tinha deixado o Viana para trás e puxava pelo Timóteo, que,
com sofreguidão, acompanhava o meu ritmo atrás do atraso.
O Carlos no seu nulo ser, mas na
sua notável instrução, deveria estar à minha espera como sempre, sem saber
muito bem se estava atrasado ou adiantado. Eu, com menos instrução, sabia que
estava. Seguramente pontual é que não estava.
Este seu jeito deu-me inúmeras
oportunidades para treinar uns Timoteos. Continuo a treinar. Espero é que
quando o Timóteo se sincronizar com o meu caminhar consiga chegar perto do
Carlos e da fome que eu já pressentia nos seus arrufos. Como ainda estavamos
apressados para o almoço, pensava que o Carlos no seu rosto já não tivesse
restos do creme de desfazer barba, feita de manhã, e que a assimetria facial não
fosse, mais uma vez, uma qualidade escondida no seu despiste. É tão despistado
que muitas vezes se esquecia de mim...e que jeito tal me deu nos treinos.
Já não via o Pedro há imenso
tempo. Nem mesmo quando estava combinado um encontro com o Timóteo, e a Maria era
tramada.
Ah! Lá estava o Carlos previsível
como apelido. Calmo, a julgar que estava adiantado e com a imagem que eu
imaginava. Fiz de conta que estava com a pontualidade no auge e com o estômago
a dar horas, em sintonia com o choro do Timóteo. O silêncio foi servido durante
o almoço. Definitivamente, tinha dois estranhos comigo. Tudo terminou com o
doce que deu nome à casa onde o nosso repasto, atrasado, não se prolongou por
muito tempo. Já não me lembro muito bem, mas nas despedidas do Carlos, o meu
olhar puxado pelo Timóteo, identificou a Maria. Despachei o Carlos com uma
pressa cobarde. Uma saudade da Maria invadiu todo o meu corpo.
Fiquei cheia de dúvidas e o filme
da vida terminou com o primeiro choro do Timóteo. Talvez fosse a minha forma de
repelir o que tinha feito à minha amiga, mas estar com o Pedro foi tão bom. Ela
encarou o nascimento do Timóteo como uma experiência, leia-se lição para vidas
futuras. Do meu sofrimento à experiência adquirida da Maria, foi crescendo uma
linda retrospectiva de uma vida a quatro e que subitamente terminou com o
Timoteo a sair do meu ventre. Afinal, a cinco a história não tinha piada.
De facto não tinham passado
muitos anos desde o nosso afastamento, mas aquela visita da Maria às festas da
senhora da Agonia foi uma lufada de ar fresco e terminou com a minha agonia. Já
me tinha esquecido do Carlos, do Pedro e até do pequeno Timóteo.
Naquele tempo a velhice podia ser
“maravilhada”, mas não corrigida. Agora, de mão dada com a Maria, o Timóteo de
visita à nossa casa, vai-me dizendo que sim. Dando o desconto que os filhos
acham sempre as mães os seres mais lindos do mundo, agora tinha duas, esforço a
dobrar. O Timóteo, que nunca teve um armário, demorou algum tempo a entender o
armário destas mães: uma delas pediu emprestada o marido da outra para o ter.
A minha vida em Braga depois
daquele almoço no Abade de Priscos ficou sem orientação, por uns tempos. Parece
que fiquei com a minha história interrompida. Sentimentos que eu achava
menores, invadiram o meu coração e quando o coração é invadido por sentimentos
até respirar custa. Nada parece funcionar.
João Miguel Teodoro
Lisboa, 28 de Outubro 2014
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