Por Maria Pinto de Araújo
«Já te viste ao espelho? Gostas do que vês?»
Então, ao ouvir esta pergunta tão simples mas feita com o intuito de magoar e de humilhar, senti uma facada no coração e ouvi-o estilhaçar-se em mil bocadinhos de cristal. Tão bonito, luminoso, amoroso, amigo, prestável, este coração de cristal partiu-se. Foi atirado ao chão. E depois, calcado, esmagado, reduzido a pó cintilante. Vivo, mas pó. A dor foi enorme e a tristeza imensa, pois naquele dia fez-se luz na minha alma. Aquele ser que dizia amar-me, jamais iria mudar, jamais deixaria de me ferir deliberadamente, e eu nunca conseguiria deixar de ter medo dele enquanto estivesse ao seu lado, mas luz da luz.... A libertação acompanhou a tomada de consciência. Percebi que já não o amava, apenas o temia. Já nem gostava dele como pessoa, pois o ser enamorado, sedutor, cavalheiro, atento ao meu bem-estar que eu tinha conhecido e pelo qual me tinha apaixonado e casado em cinco meses, nunca tinha existido, senão como engodo para me garantir e agarrar.
– Já te viste ao espelho? Gostas do que vês?
«Já te viste ao espelho? Gostas do que vês?»
Estas foram
as frases que me fizeram olhar para dentro de mim. E na realidade, as duas
perguntas feitas com a intenção de magoar e de humilhar foram as melhores que me fizeram na vida porque me levaram a tomar decisões importantíssimas para
a minha mudança de rumo.
«Já te viste ao espelho? Gostas do que vês? Porque
não é só a beleza espiritual que conta, a beleza física também!»
Esta pergunta
e esta afirmação foram proferidas pelo homem a quem eu tinha dado três filhos,
o último dos quais há um ano e meio. Aumentei vinte e um quilos, e ainda não
tinha recuperado. Faltava-me perder sete.
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Picasso, Mulher que chora, 1937, Londres,Tate Modern |
Esta
pergunta e esta afirmação, estavam a ser-me dirigidas pelo meu marido de há dez
anos, os dois sentados numa esplanada, a discutirmos o nosso casamento e a nossa
relação.
Esta pergunta e esta afirmação, eram proferidas por alguém que estava fora de casa cerca de treze horas por dia e que chegava sempre muito cansado depois de ter ido trabalhar, jogar golfe e ir ao ginásio. E que entrava a contar que o jantar estivesse feito, as crianças de banho e refeição tomadas, de preferência na cama. Alguém que esperava que tudo girasse à sua volta e que tudo fosse feito para o satisfazer.
Qualquer falha, qualquer contrariedade, qualquer desvio nestes ‘regulamentos’, motivavam críticas mordazes, comentários sádicos, berros a despropósito e sem razão, humilhações, murros… nas coisas. E eu fazia tudo para evitar essas explosões!
Esta pergunta e esta afirmação, eram proferidas por alguém que estava fora de casa cerca de treze horas por dia e que chegava sempre muito cansado depois de ter ido trabalhar, jogar golfe e ir ao ginásio. E que entrava a contar que o jantar estivesse feito, as crianças de banho e refeição tomadas, de preferência na cama. Alguém que esperava que tudo girasse à sua volta e que tudo fosse feito para o satisfazer.
Qualquer falha, qualquer contrariedade, qualquer desvio nestes ‘regulamentos’, motivavam críticas mordazes, comentários sádicos, berros a despropósito e sem razão, humilhações, murros… nas coisas. E eu fazia tudo para evitar essas explosões!
Eu também
trabalhava. Com reuniões em Bruxelas várias
vezes por mês, quando estava cá, para além de trabalhar nos dossiers, ia
ao supermercado, tratava dos filhos, ajudava a empregada interna que não tinha
tempo para tudo, tratava dos seguros, das acções, dos bancos, dos médicos. Cumpria
toda a rotina extenuante dos quotidianos de uma família. Sobrava o quê?
Cansaço. Tempo e vontade para ir fazer ginásio na realidade não tinha. E assim,
ele tinha razão pois na altura preocupava-me muito mais em procurar respostas
para a minha infelicidade, sobretudo lendo e lendo, do que em manter-me em boa
forma física. Bem sei que deveria levar a minha perfeição até aí, mas as forças
faltavam-me para isso e para tanto mais... Sentia-me à beira de uma depressão. Na
fronteira de um precipício de onde já não sabia como sair.
Então, ao ouvir esta pergunta tão simples mas feita com o intuito de magoar e de humilhar, senti uma facada no coração e ouvi-o estilhaçar-se em mil bocadinhos de cristal. Tão bonito, luminoso, amoroso, amigo, prestável, este coração de cristal partiu-se. Foi atirado ao chão. E depois, calcado, esmagado, reduzido a pó cintilante. Vivo, mas pó. A dor foi enorme e a tristeza imensa, pois naquele dia fez-se luz na minha alma. Aquele ser que dizia amar-me, jamais iria mudar, jamais deixaria de me ferir deliberadamente, e eu nunca conseguiria deixar de ter medo dele enquanto estivesse ao seu lado, mas luz da luz.... A libertação acompanhou a tomada de consciência. Percebi que já não o amava, apenas o temia. Já nem gostava dele como pessoa, pois o ser enamorado, sedutor, cavalheiro, atento ao meu bem-estar que eu tinha conhecido e pelo qual me tinha apaixonado e casado em cinco meses, nunca tinha existido, senão como engodo para me garantir e agarrar.
Decidi não discutir, o que o irritava profundamente,
pois era ao conflito que ia buscar energia. Falei-lhe em separação. Pôs-me
imediatamente à vontade «para fazer o que quisesse, desde que que não lhe
telefonasse daí a um mês a dizer que não sabia o que fazer». Bom conselho! Fui a uma psicóloga para me preparar para o embate do divórcio, que pedi
quatro meses depois, muito calmamente e
sem dúvidas nenhumas. Sabia que o prolongamento daquele casamento me ia
atirar para o precipício da depressão, do consequente aumento de peso, da infindável
tristeza e da escalada de violência psicológica e física que o meu marido
exercia sobre mim.
Consegui e
tenho orgulho nisso. Paguei a factura desta independência com dez processos em
tribunal para diminuir a pensão de alimentos ou pelo seu não pagamento; com a diminuição
de rendimentos, e, consequentemente, com uma quebra apreciável no meu nível de vida, que me levou, inclusivamente, a recorrer à ajuda dos pais. E por fim, a fatura maior. Um
cancro na mama, felizmente, e até ver, curado, já lá vão doze anos. Por tudo isto, agradeço aquela pessoa que
tanto me magoou, me ensinou, e que, por fim, me libertou com a pergunta fatal:
– Já te viste ao espelho? Gostas do que vês?
Agora, já
não me calo e grito com todas as minhas forças: Vejo-Me Ao Espelho todos os
Dias, Adoro o Que Vejo e Sinto, e, acima de tudo, o QUE SOU!