A belíssima carta de A.R. a culminar a nossa intensa oficina de escrita :
Elegias do Amor e do Ódio.
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De A.R., s/título, técnica mista.. |
Querida mãe:
Há cerca de três anos que não nos
encontramos. Temos, pontualmente, uns breves contactos telefónicos em que nos
limitamos a falar de banalidades. Mas nestes últimos tempos tenho reflectido
bastante sobre a nossa relação ao longo da vida e decidi escrever-te esta
carta.
Para surpresa minha, é a primeira
vez que te chamo querida. Pode parecer-te um fingimento meu, mas já vais
perceber que não o é, de forma alguma. Como muito bem sabes, o nosso relacionamento
sempre foi conturbado. Tu não desejavas ter filhos e eu vim roubar-te a
liberdade a que tanto aspiravas. Sofremos as duas, ao longo dos anos: tu,
revoltada com a vida que te tinha proporcionado o “ empecilho” (como te referias
a mim de forma recorrente). E eu, na minha solidão e perplexidade, fechada em
casa a crescer sozinha.
Mas é aqui que está o ponto
principal da minha reflexão. Esta vivência permitiu-me explorar o mundo à minha
volta, de início dentro de casa e, posteriormente no exterior, quando aprendi a
saltar a janela (sei que estou a revelar-te algo que nunca imaginaste!).
Assim, toda a fantasia que esta vida me
proporcionou, e que eu desenvolvi no meu solitário processo de crescer,
tornou-me uma pessoa destemida, com alguma capacidade para enfrentar as
adversidades e, em simultâneo, a poder percepcionar o mundo à minha volta! Gosto de pensar que, se a minha
vida tivesse sido mais facilitada, talvez tivesse crescido devidamente
“normalizada”, muito passivamente inserida nesta sociedade tão adversa à
diferença e à imaginação. Assim, sinto que sobrevivi guardando inteira a minha
singularidade!
Por tudo isto, quero agradecer-te
tudo o que, directa ou indirectamente, me proporcionaste.
Um beijo, profundamente sentido.
A.R.